Cleópatra não foi a última rainha do Egito
De Última Rainha do Egito a Mulher Mais Famosa da Antiguidade
“[Otávio Augusto] Sitiou Alexandria, para onde Antônio se havia retirado com Cleópatra, e bem depressa se assenhoreou dela. Antônio quis falar de paz, mas já não era tempo; foi forçado a matar-se, e Augusto gozou aquele espetáculo. Desejaria bastante conduzir Cleópatra em triunfo, e como se acreditara que fora mordida por uma cobra, fez sugar as chagas. Permitiu que fosse sepultada com Antônio, e ordenou mesmo que se comprasse um túmulo que eles tinham começado a construir.”
Suetônio (A Vida dos Doze Cesares)
A ideia de que Cleópatra foi a última rainha do Egito é uma pequena corruptela histórica, principalmente, porque o país como conhecemos hoje, não existia na antiguidade. (1)
Cada uma a sua maneira, em sua própria época, eram as cidades-estado que exerciam domínio territorial, eventualmente, com poderes imperiais.
Este foi o caso de Roma e de certa forma, de Esparta, Atenas, Cartago e também, de Alexandria; esta última, um enclave da cultura helenística, estrategicamente construído pelos macedônios, entre a foz do rio Nilo e o Mediterrâneo.
Por este histórico, Cleópatra não foi a última rainha do Egito, mas a última rainha da dinastia ptolomaica de Alexandria, cuja ascendência era grega.
Mas, todo este preâmbulo, muda pouco ou nada da tragédia composta pelo início do período imperial romano, pelo fim da opulência de Alexandria e também, pela extinção da linhagem grega que controlara o antigo Egito por muitas gerações.
Portanto, temos três linhas temporais que se cruzam na história pessoal de Cleópatra e também, para explicar sua importância; dois eventos exemplares e bem específicos, sobre os quais falaremos adiante.
1. Os Romanos Apaixonados
Cleópatra teve relações com Júlio César e depois, Marco Antônio. No caso de César, tratava-se de uma relação aparentemente séria, brutalmente interrompida pelo assassinato do primeiro imperador romano.
No caso de Marco Antônio, dificilmente se poderia afirmar que o amor vinha em primeiro lugar, quando as disputas pelo poder em Roma, após a morte de César, deixavam o futuro do mundo em aberto.
Em ambos os relacionamentos, entretanto, uma coisa é certa: Cleópatra entendia aqueles romanos, como sua melhor possibilidade de se eternizar como senhora do mundo conhecido.
2. Alexandria: a cidade-luz do mundo antigo
Quando reinou sobre o Egito, as pirâmides eram tão velhas para Cleópatra, quanto são hoje, para nós.
Em outras palavras, a civilização egípcia já não era senhora de si há muito tempo, pois Alexandre, o grande, já havia tratado de subjugá-la, colocando uma linhagem helênica no poder.
Alexandria, a cidade que construíra para demarcar sua conquista, deveria ser a guardiã da cultura helênica no mundo antigo.
As paixões romanas, entretanto, em conjunto com as aspirações de Cleópatra, contribuíram para definir o destino da cidade, cuja história foi encerrada com o incêndio da biblioteca local; durante o cerco final das forças romanas, contra a rainha e Marco Antônio.
3. Uma Egípcia Entre os Ptolomaicos
Apesar de suas raízes helênicas, Cleópatra tinha dois traços de personalidade que a distinguiam dos seus antepassados.
Primeiro, se preocupou em realmente governar o Egito, tentando a todo custo, estabelecer uma aliança com Roma e seus imperadores, um plano que, se funcionasse, garantiria a independência de seu território.
Segundo, teve a audácia, diante de um cenário bastante desfavorável, de desafiar o poder imperial romano, quando Marco Antônio lhe propôs uma última oportunidade.
Este ocaso, entretanto, foi menos um erro seu, que um mérito do principal adversário do casal, o novo imperador romano, Otávio Augusto, com quem Cleópatra não teve chance de negociar.
Os Dois Grandes Atos de Cleópatra
Reza a lenda que Cleópatra, ainda muito jovem, se fez introduzir para Júlio César, escondida em uma peça de tapeçaria, para fugir dos olhares de seus opositores políticos no Egito.
Com esta entrada inusitada, conseguiu chamar a atenção do romano e assim, por associação ao homem mais poderoso da época, marcar seu nome na história.
Mas, César foi assassinado e a rainha caiu no ostracismo, considerada pelos demais romanos como personagem secundária ou terciária.
Quis o destino, entretanto, que Marco Antônio, um dos três pretendentes ao posto de César; se interessasse pela rainha.
Juntos, enviaram uma frota para conquistar Roma. Juntos, foram derrotados.
Juntos, foram enterrados com o que restava da grandeza egípcia da antiguidade.
Mas, como diva histórica, Cleópatra saiu de cena em grande estilo, num dos suicídios mais conhecidos da história da humanidade, preferindo a picada mortal de uma cobra, em vez de se entregar para Augusto.
Em muitos sentidos, ela foi a representação mais próxima de uma pop star, durante a antiguidade (por mais anacrônica que seja a comparação).
Não fosse assim, um historiador clássico como Suetônio, jamais se daria ao trabalho de citá-la.
Resumindo, se não conseguiu seu intento em vida, sua coragem foi tanta, que atingiu a imortalidade, como nenhuma outra mulher de sua época.
Neste sentido, ter sido ou não a última rainha do Egito, é apenas uma nota de rodapé em sua intensa e exuberante biografia.
Notas e Referências
(1) Este texto não é extenso o suficiente para explicar detalhadamente o assunto. Nem este, nem os pormenores citados em vários trechos, por isso, o melhor que podemos fazer é citar uma pequena lista de fontes gerais para saciar a curiosidade dos interessados no tema, começando por dois documentários disponíveis no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=HNu0UP38Isk
https://www.youtube.com/watch?v=glXED0EOj3o
- Quanto as fontes acadêmicas, há pouco que se possa dizer, sem recorrer aos historiadores romanos, ou aos modernos. Em ambos os casos, Cleópatra tem pouco destaque. Para os romanos, porque era vista como uma personagem secundária e para os modernos, porque sendo a última de sua linhagem, representa pouco para explicar a história milenar do Egito, restando recorrer as biografias, cujas afirmações são no mínimo, controversas. Sendo assim, o filme clássico com Elizabeth Taylor, tem tanto a dizer quanto qualquer biografia contemporânea:
https://www.imdb.com/title/tt0056937/?ref_=nv_sr_1
- Para encerrar, cabe recomendar a leitura dos historiadores romanos, apesar da superficialidade com que tratam Cleópatra.
- Sobretudo, quando se percebe que as poucas citações de seu nome, são como pequenas conquistas da rainha:
https://www.amazon.com.br/Vida-dos-Doze-Césares/dp/8572326421