Força Militar do Exército dos Estados Unidos: a Superioridade!
Superioridade e a Estratégia da Força de Superfície. Os Americanos Aprenderam com a Segunda Guerra Mundial a Lidar com Bullies.
Se tem uma coisa que os americanos aprenderam com a Segunda Guerra Mundial, foi a lidar com bullies.
E não foram exatamente os alemães os seus professores.
USS Arizona: de vítima do ataque em Pearl Harbor, a monumento preservado, como lembrança das possíveis ameaças ao poderio naval americano
O verdadeiro desafio para a força militar do exército dos Estados Unidos sempre esteve no mar.
Primeiro, contra a marinha imperial japonesa; depois, contra a soviética.(1)
E hoje, mesmo que não haja nenhum país capaz de fazer frente a marinha americana, esta segue se fortalecendo, em muitos sentidos, por causa das lições do passado.
Porque na mentalidade militar desenvolvida pelos americanos, a forma de lidar com bullies, é ser tão forte, que ninguém possa sequer pensar em mexer com você.
De um ponto de vista neutro, é uma estratégia discutível, mas, a verdade é que podemos discuti-la o quanto quisermos e isto, obviamente, não afetará os planos americanos.
Mais curioso do que isso, é perceber como os próprios americanos, diante do exotismo do candidato Donald Trump, estavam receosos até pouco tempo atrás, de que veriam uma diminuição de sua presença militar no mundo.(2)
No entanto, após eleito, Trump tem se demonstrado um ferrenho defensor da força militar do exército dos Estados Unidos.
Principalmente, da marinha americana, afinal, é ela que costuma servir como posto avançado dos interesses daquele país.
E para evitar qualquer mal entendido, sejamos honestos: Donald Trump, evidentemente, tem um conhecimento muito limitado de geopolítica internacional.
Mas, por outro lado, sabe quase instintivamente o que faz de seu país um líder mundial: a economia e claro, a força militar do exército dos Estados Unidos.
Para ele (e para muitos de seus compatriotas), o que não pode ser comprado, pode ser destruído e não deixa de ser um pouco triste pensar na “terra da liberdade” desta forma.
Seja como for, com a abertura dos cofres para a renovação da marinha americana, também se abriram espaços para a discussão sobre a melhor aplicação dos recursos.
Afinal, este é um dos aspectos mais essenciais do capitalismo: a otimização da aplicação de recursos escassos.
E você pode pensar que dentro da realidade americana, escassez não é uma palavra apropriada, mas, em termos de investimento tecnológico militar, 50 ou 100 bilhões de dólares, não são uma quantia tão grande.(3)
Evidentemente, é um valor maior do que todo o orçamento militar brasileiro, mas, é preciso considerar o objetivo americano, que é muito diferente do brasileiro.(4)
Para sermos mais precisos, neste momento, está em discussão a adoção de uma nova estratégia global para a marinha americana (Surface Force Strategy).
Distributed Lethality: você ainda vai ouvir falar muito deste conceito
Trata-se de uma ideia tão simples, quanto aterradora: não há como derrotar um inimigo muito superior a você, se não souber nem mesmo, onde ele está.(5)
Talvez seja preciso explicar este ponto mais detalhadamente e para isso, é preciso entender as evoluções tecnológicas das últimas décadas.
Então, vamos voltar ao final da Segunda Guerra e as lições aprendidas pela marinha americana.
Naquele contexto, os porta-aviões haviam provado sua utilidade, como peças centrais no tabuleiro dos oceanos.
Mais do que isso, as grandes Battleships se mostraram ultrapassadas e os submarinos pareciam ser o futuro da guerra nos mares.
Passados mais de 70 anos do final da guerra, ainda hoje, a configuração básica das marinhas do mundo segue mais, ou menos, esta mesma lógica.
Strike Group: concentração de poder no entorno de um porta-aviões nuclear
Ou seja, a projeção do poder de uma nação pelos oceanos deveria incluir a presença de grandes porta-aviões, uma série de navios menores e claro, submarinos.
Dentro da estratégia corrente de projeção da força militar do exército dos Estados Unidos, esta mentalidade levou a formação dos chamados Strike Groups (representados na imagem acima).
Não era propriamente a realização de um desejo de juntar várias embarcações em grandes grupos, mas, uma necessidade tática e operacional, porque os porta-aviões são extremamente vulneráveis.
Por isso, ao mesmo tempo em que a marinha americana construiu sua força de superfície, baseando-se no poder aéreo destes gigantes, também direcionou sua estratégia geral para funcionar a partir destas concentrações de poder.
Em paralelo, espalhou submarinos e embarcações menores, principalmente Destroyers, pelo restante do globo.
Mas, a grande epifania do presente, parece ter sido a percepção de que o alcance dos mísseis, aviões, radares, sonares e claro, a inclusão de drones e satélites no tabuleiro, permite abordagens inteiramente novas da estratégia global.
Uma visão rápida sobre os diferentes tipos de embarcações de combate
É aí que entra este novo plano, chamado Distributed Lethality.
Ou seja, a grande descoberta do comando naval americano, é que os oceanos não são tão grandes quanto costumavam ser.(6)
Ao menos, não para a marinha americana, maior e mais poderosa que qualquer outra, a ponto de ser a única capaz de estar presente simultaneamente em vários pontos do planeta água.
Para esta marinha, contando com mísseis balísticos de longo alcance, satélites e embarcações espalhadas pelo mundo, a tal distribuição da força letal não é exatamente um plano futuro, mas, uma realidade que precisa apenas de pequenos ajustes.
E para explicar melhor a lógica por trás deste pensamento, podemos resumir, a partir das palavras do Vice Almirante Thomas Rowden, comandante das forças americanas de superfície, que:
“Com a distribuição da letalidade, se falharmos em dissuadir um agressor potencial, certamente, nossa resposta será tão destruidora, que qualquer adversário se verá incapaz de continuar com as hostilidades.”(7)
O que Rowden está dizendo, soa muito similar a tudo que já ouvimos antes sobre a força militar do exército dos Estados Unidos.
Mas, neste caso, temos uma espécie de evolução do conceito de Deterrence (dissuasão), sempre imaginado como uma função dos mísseis balísticos intercontinentais, para o conjunto da marinha americana.
Imagine que um determinado país, resolva interferir em algum interesse americano e as tensões se acumulem por alguns meses.
Do fundo dos oceanos, até o espaço, a nova estratégia americana é coordenar forças dispersas, sem necessariamente agrupá-las
Em um cenário pouco provável, mas, não impossível, este país poderia concentrar suas forças para destruir o Strike Group mais próximo de seu território.
Como dissemos, não é um cenário provável, apenas uma hipótese com a qual a paranoia militar precisa lidar.
E neste cenário hipotético, o suposto agressor teria uma pequena vantagem e também, algum tempo para reorganizar suas forças, quem sabe, para atacar o próximo Strike Group.
Justamente, porque estes grupos são o que podemos chamar de sitting ducks, ou seja, alvos óbvios (embora, não necessariamente fáceis).
A distribuição de letalidade, entretanto, pretende fazer com que cada Destroyer, Cruzador e mesmo embarcações menores; ainda que espalhadas pelo mundo, atuem dentro de uma rede mundial coordenada.
Assim, ainda que aquele país fictício (e louco), conseguisse afundar um Strike Group, a resposta poderia vir imediatamente, de muitos lugares, ao mesmo tempo.
Como é possível imaginar, esta evolução estratégica tem uma correlação profunda com a chamada era Trump, mas, muito mais importante do que isso, não exige grandes avanços tecnológicos.
Ao contrário, a questão se resume as discussões internas ao alto comando da força militar do exército dos Estados Unidos, para que decidam pelo caminho mais adequado.
Se a Distributed Lethality prevalecer (e tudo indica que irá), os investimentos mais pesados seriam em retreinamentos e exercícios conjuntos, não em novos tipos de aviões ou navios.
Mas, considerando que além desta nova estratégia, estão chegando os novos F-35 e outras tantas novidades, não é de se duvidar que, se já não há bullies verdadeiros com que se preocupar, em futuro breve, a única preocupação serão os grupos extremistas.
E contra estes, como já dissemos em outros textos por aqui, a eficácia dos métodos tradicionais não é nem discutível, é insignificante.
Mas este, claro, é um outro assunto para o qual, a falta de respostas não é uma exclusividade americana, embora, neste caso, tenham uma alternativa.
Se chegássemos a um ponto suficientemente extremo de confrontação, o que impediria os americanos de simplesmente obliterarem a base de operações de um grupo extremista, ainda que fosse um país inteiro?
Como nunca fizeram isso, ninguém acredita que poderiam fazer, mesmo nos piores cenários futuros, mas, a mente militar não é guiada pelos mesmos limites morais que orientam a maioria das pessoas.
Ao contrário, segue uma lógica simples e previsível: uma vez identificada e mensurada uma ameaça, disponibiliza os métodos para destruí-la, ou controlá-la.
Como lidará com cada uma das ameaças futuras, entretanto, depende de quem aperta os botões e neste momento, todos estes botões, coloridos e tentadores, estão no colo de Donald Trump.
Notas e Referências:
(1) Algo sobre o impacto de Pearl Harbor no militarismo americano pode ser encontrado aqui:
https://www.nytimes.com/2016/12/07/world/pearl-harbor-anniversary.html
(2) Ver nota 1.
(3) O orçamento militar americano é muito maior do que isso. Já estava próximo dos 600 bilhões em 2017 e 50 bilhões é apenas um valor aproximado para o incremento proposto por Donald Trump para 2018. Mas, nem todo este dinheiro é destinado a pesquisa e desenvolvimento. O orçamento pode ser visto em:
https://www.whitehouse.gov/sites/whitehouse.gov/files/omb/budget/fy2018/budget.pdf
(4) O orçamento anual das forças armadas brasileiras vinha subindo gradualmente durante os governos do PT, mas, no momento, a tendência é de baixa, estacionando em algum ponto abaixo dos 30 bilhões de dólares. Algo sobre o assunto em:
https://exame.abril.com.br/brasil/brasil-investe-mais-nas-forcas-armadas-do-que-israel/
(5) Vamos nos referir constantemente a esta estratégia e um guia geral para a discussão, do ponto de vista do comando naval americano pode ser visto aqui:
http://www.vq1.navy.mil/surfor/Documents/Surface_Forces_Strategy.pdf
(6) Além da nota anterior, uma discussão sobre a estratégia pode ser vista em:
https://www.forbes.com/sites/lorenthompson/2017/01/10/distributed-lethality-becomes-the-surface-navys-strategy-for-the-trump-era/#14ee3ec05eff
(7) Uma adaptação livre do sentido das palavras de Rowden, que podem ser conferidas em inglês, na reportagem citada na nota 6.